ALTERAÇÃO
LEGISLATIVA IMPLEMENTADA PELA LEI COMPLEMENTAR 181/13, NO ESTATUTO DA POLÍCIA
MILITAR LEI COMPLEMENTAR N. 053/90, EM RELAÇÃO AOS SOLDADOS
COM MAIS DE 8 (OITO) ANOS DE SERVIÇO.
Autora*: Juliane Pinheiro Kuklinski, Cabo da PMMS, Bel em Ciências Jurídicas, Pós-graduada em Direito do Estado e das Relações Sociais.
O
Estatuto da Polícia Militar do Estado de Mato Grosso do Sul, Lei Complementar
n. 053, de 30 de agosto de 1990, foi alterado pela Lei Complementar n. 181, de
18 de dezembro de 2013, que revogou e inseriu os seguintes dispositivos:
DISPOSITIVOS
REVOGADOS
Art. 15-A. O acesso do Soldado à graduação de Cabo QPPM
dar-se-á mediante processo seletivo interno pelo critério de antiguidade, cujas
vagas serão disponibilizadas pelo Comandante-Geral mediante edital, com a
devida aprovação em curso de formação de cabos, e que atenda aos seguintes
requisitos
I - contar, no mínimo, com oito anos de
efetivo serviço;
II - ter
concluído o ensino médio;
III - não
estar licenciado para trato de interesse particular;
III - não estar licenciado para tratar de interesse particular;
IV - estar classificado, no mínimo, no comportamento “BOM”;
V - ter sido julgado apto em inspeção de saúde para fins de curso;
VI - ter sido julgado apto em teste de aptidão física;
VII - possuir Carteira Nacional de Habilitação (CNH), no mínimo, de categoria
“B”.
Parágrafo único. A antiguidade na graduação de Cabo do Quadro QPPM será
definida dentro da mesma turma, pelo grau obtido no curso de formação.
DISPOSITIVOS VIGENTES
Art. 15-A. O acesso do Soldado à
graduação de Cabo QPPM dar-se-á mediante processo seletivo interno pelos
critérios de merecimento intelectual e de antiguidade, nas seguintes condições:
I - pelo critério de merecimento
intelectual, o Soldado estável deve ser selecionado mediante processo de
seleção de prova ou de prova e título, aprovado em curso de formação de cabos e
atender aos seguintes requisitos:
a) contar com três
anos de efetivo serviço;
b) ter concluído o ensino médio;
c) não estar licenciado para
tratar de interesse particular;
d) estar classificado, no mínimo,
no comportamento “BOM”;
e) ter sido julgado apto em
inspeção de saúde para fins de curso;
f) ter sido julgado apto em teste
de aptidão física;
g) possuir Carteira Nacional de
Habilitação (CNH), no mínimo, de categoria “B”;
II - pelo critério de antiguidade,
o Soldado deve ser selecionado mediante a precedência na graduação, aprovado em
curso de formação de cabos e atender aos seguintes requisitos:
a) contar, no mínimo, com oito
anos de efetivo serviço;
b) ter concluído o ensino médio;
c) não estar licenciado para
tratar de interesse particular;
d) estar classificado, no mínimo,
no comportamento “BOM”;
e) ter sido julgado apto em
inspeção de saúde para fins de curso;
f) ter sido julgado apto em teste
de aptidão física;
g) possuir Carteira Nacional de
Habilitação (CNH), no mínimo, de categoria “B”.
§ 1º As promoções à
graduação de Cabo QPPM, pelo critério de merecimento intelectual e de
antiguidade, terão por base o total de vagas disponibilizadas pelo
Comandante-Geral, após aprovação do Governador do Estado, e serão distribuídas
obedecendo à seguinte proporção:
I - 40% para merecimento
intelectual;
II - 60% para antiguidade.
§ 2º Considera-se, como total das
vagas disponibilizadas, aquelas fixadas exclusivamente em edital pelo
Comandante-Geral para o processo seletivo à graduação de 3º Cabo, observados a
necessidade e o interesse da Corporação.
§ 3º As frações que,
porventura, vierem a ocorrer nos percentuais mencionados no § 1º deste artigo
serão completadas em favor do critério de antiguidade.
§ 4º As promoções
pelos critérios de merecimento intelectual e de antiguidade à graduação de Cabo
serão realizadas de acordo com a ordem de classificação intelectual, obtida ao
final do respectivo curso de formação de cabo concluído com aproveitamento.
§ 5º Constituirão uma
única turma os integrantes do curso de formação de cabo selecionados pelos
critérios de merecimento intelectual e de antiguidade, oriundos de um mesmo
processo seletivo, que terão sua classificação efetuada em conjunto após a
conclusão dos respectivos cursos, sendo esta classificação estabelecida por
meio dos graus absolutos da conclusão dos cursos.
Segundo as novas disposições, os Soldados não mais
poderão concorrer aos processos seletivos à graduação de Sargento, mas poderão
ser promovidos por duas modalidades: Por
Antiguidade e por Mérito Intelectual.
Estarão aptos a
figurar nas listas de antiguidade aqueles
que contam com mais de oito anos de efetivo serviço, dentre outros
requisitos previstos em Lei. Já por merecimento intelectual poderão concorrer
aqueles que possuírem mais de três anos de efetivo serviço, ou seja, que tenham
concluído o estágio probatório.
Ocorre que a
mencionada alteração legislativa não ressalvou que muitos policiais já haviam preenchido todos os requisitos necessários
(incisos I a VII, do artigo 15-A) para figurarem na relação pertinente ao Processo Seletivo Interno pelo Critério de
Antiguidade, sob a égide dos dispositivos vigentes à época, ignorando assim
o direito que já possuíam na vigência da lei anterior, de terem prioridade no
oferecimento das vagas para promoção, uma vez que estavam na dependência apenas
do oferecimento das vagas e cursos pela Administração Pública.
Ora, configura
flagrante afronta à segurança jurídica, não observar as situações jurídicas já
aperfeiçoadas; deixar de observar o total preenchimento dos requisitos
estabelecidos na Lei vigente à época, antes de efetuar uma alteração que reduza
o âmbito da concretização do direito já adquirido. Frise-se novamente que
nenhum dispositivo que se ressalvasse essas situações, foi inserido na nova
Lei.
Quanto ao
princípio da segurança jurídica, aproveita-se para citar as brilhantes palavras
de Helly Lopes Meirelles
:
Segurança Jurídica – O
princípio da segurança jurídica é considerado como uma das vigas mestras
da ordem jurídica, sendo, segundo J.J. Gomes Canotilho, um dos subprincípios
básicos do próprio conceito do Estado de Direito. Para Almiro do Couto e Silva,
um “dos temas mais fascinantes do Direito Público neste século é o crescimento
da importância do princípio da segurança jurídica, entendido como princípio da boa-fé
dos administrados ou da proteção da confiança. A ele está visceralmente ligada a exigência de maior estabilidade das
situações jurídicas, mesmo daquelas que na origem apresentam vícios de
ilegalidade. A segurança jurídica é geralmente caracterizada como uma das vigas
mestras do Estado de Direito. É ela, ao
lado da legalidade, um dos subprincípios integradores do próprio conceito do
Estado de Direito.
A Lei 9.784, de 29.1.99, que “regula o processo administrativo no
âmbito da Administração Pública Federal”, determina a obediência ao princípio
da segurança jurídica (art. 1º).
Como uma das
conseqüências dessa determinação, ao tratar da interpretação da norma
administrativa, essa lei veda textualmente a “aplicação retroativa de nova
interpretação” (inc. XIII, parte final, do parágrafo único
do art. 1º). Aliás, a aplicação
retroativa da nova interpretação seria contrária até mesmo ao princípio da
moralidade administrativa.
Observe-se que
os requisitos para a promoção já existiam antes da vigência da nova lei, e foram
devidamente preenchidos, convolando-se em verdadeira “
condição preestabelecida inalterável a arbítrio de outrem”.
Por ter como
base o princípio da legalidade e para que fosse estabelecida verdadeira
equidade, a Administração Pública necessariamente deveria ter ressalvado a
situação desses Soldados, para diferenciar a situação jurídica daqueles que já
haviam completado o interstício daqueles cuja situação ainda não havia se
amoldado ao preceito legal, quando da vigência dos novos dispositivos legais.
Da forma que se
encontra, boa parte da turma de 2003, por exemplo, foi beneficiada com a tão
almejada promoção, por terem sido disponibilizadas cerca de 300 (trezentas) vagas por antiguidade, antes
da alteração legislativa, enquanto os demais, que possuíam o mesmo interstício
serão onerados com 40% menos vagas, diante da possibilidade que lhes era
garantida pelo dispositivo vigente à época do cômputo do interstício.
Quando a lei
nova menos favorável não ressalva os direitos adquiridos e a Administração não
os observa, pode-se falar em afronta
à Constituição Federal, uma vez que patente está a quebra da segurança jurídica,
e da igualdade, princípios estes fundamentais
e estruturantes do nosso Estado Democrático de Direito.
De outra sorte
é público e notório que a disponibilização de vagas no âmbito da PMMS ainda não
é regular, uma vez que os policiais passavam longos anos na mesma graduação, e
nem se diga daqueles que foram transferidos para a reserva remunerada na
graduação de soldado. Tais ocorrências geraram um ciclo vicioso que ainda não
foi totalmente extirpado, embora as providências que vêm sendo implementadas ao
longo dos anos tenha melhorado sensivelmente esse quadro.
Por certo que é
esse ciclo vicioso que se pretende evitar.
Obviamente, a nova
lei foi aprovada para tentar estabelecer um fluxo razoável, porém isso somente
se dará em longo prazo e desde que sejam resolvidas essas situações que
afrontam a ordem jurídica, sob risco de quebra do fluxo regular e equilibrado
da carreira.
Do contrário,
que equilíbrio será esse que desconsidera o cômputo do interstício completo do
militar, inserindo-o no mesmo rol daqueles que sequer possuíam expectativa à
promoção para a próxima graduação na vigência da Lei anterior, para que sejam
selecionados em igualdade de condições se assim não era anteriormente?
Para corroborar
tal entendimento, transcreve-se acórdão proferido pelo Superior Tribunal de
Justiça, acerca de situação semelhante a dos Militares aqui mencionados, a
saber:
AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO.
CABO DA POLÍCIA MILITAR. PARTICIPAÇÃO EM CURSO DE FORMAÇÃO PARA SARGENTOS.
POSSIBILIDADE. CUMPRIMENTO DO REQUISITO
TEMPORAL SOB A ÉGIDE DA LC Nº 528/74 DO ESTADO DO ACRE. REVOGAÇÃO PELA LC
ESTADUAL Nº 164/2006. CURSO INICIADO APÓS A MODIFICAÇÃO LEGISLATIVA.
IRRELEVÂNCIA. EXISTÊNCIA DE DIREITO ADQUIRIDO. REQUISITO DA ESCOLARIDADE.
INOVAÇÃO RECURSAL. INADMISSIBILIDADE NA VIA DO AGRAVO INTERNO.
1. Esta Corte Superior firmou jurisprudência no sentido
de que o Cabo da Polícia Militar do Estado do Acre que já tinha cumprido integralmente
o interstício de 10 (dez) anos de efetivo exercício militar na vigência da Lei
Complementar Estadual nº 528/74 pode se matricular no Curso de Formação de
Sargentos utilizando esse período
de tempo, dado
que o direito à promoção, quanto ao requisito temporal, já havia sido
incorporado ao seu patrimônio jurídico quando entrou em vigor o novo diploma
legal: Lei Complementar Estadual nº 164/2006, a qual passou a exigir o prazo
mínimo de 15
(quinze)
anos.
2. A tese acerca do cumprimento do requisito da
escolaridade não foi apreciada pelo Tribunal de origem, tampouco foi suscitada
nas razões ou contrarrazões do recurso ordinário, caracterizando-se, pois, clara
inovação recursal que não pode ser conhecida neste momento processual.
3. Outrossim, mesmo que superado o óbice, o § 3º do
art. 59 da Lei Complementar Estadual nº 528/74 "não proíbe a promoção de
quem já havia concluído o antigo 2º grau, atualmente ensino médio, quando ingressou
na corporação, até porque, com certeza, a Administração Militar não tem
interesse em promover somente aqueles com menor nível de escolaridade. O que a
lei determina é que, em caráter excepcional, preenchidos os demais requisitos,
será permitida a promoção daqueles que não possuíam o 2º grau" (EDcl no
RMS nº 25.690/AC, relator o Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, DJe 1/2/2010).
4. Agravo regimental a que se nega provimento.
O mesmo acórdão
cita ainda o seguinte precedente:
A - AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE
SEGURANÇA. CABO DA POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DO ACRE. DIREITO ADQUIRIDO À
PARTICIPAÇÃO EM CURSO DE FORMAÇÃO PARA SARGENTOS. CARACTERIZAÇÃO. RECURSO
ORDINÁRIO PROVIDO. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
1. Cumpre, em preliminar, asseverar que a regra geral
que rege a relação jurídica laboral entre o servidor e a Administração é a de
que inexiste direito adquirido a regime jurídico. Precedentes.
2. Na
espécie, todavia, a solução do litígio, no meu modo de sentir, deve amparar-se
em outros fundamentos. Os recorrentes, ora agravados, que são cabos,
satisfizeram o requisito temporal de dez anos para ingresso no Curso de
Formação para sargento. Não foram promovidos em razão da não atuação da
Administração em submetê-los ao procedimento promocional, quando já preenchiam
os requisitos formais para matrícula no respectivo Curso. Nessa linha de
raciocínio, sobrevindo nova legislação, o direito adquirido estará
caracterizado, na medida que a situação jurídica já esteja definitivamente
constituída na vigência da norma anterior. Dentre os precedentes, destaca-se o
RMS nº 25.690/AC.
3. Agravo regimental a que se nega provimento.
(AgRg no RMS nº 24.885/AC, relator o Ministro CELSO
LIMONGI (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/SP), DJe 25/05/2011)
Ainda que os
acórdãos supra tratem da promoção à 3º Sargento, a situação fática e fundamentos são semelhantes, pois estamos
tratando de militares que satisfizeram o
requisito temporal de 8 (oito) anos para ingresso no curso de formação de
Cabos, bem como preencheram os demais requisitos, muito embora não tenham sido
promovidos em razão da não realização do
respectivo curso de formação na época oportuna.
O direito
adquirido resta caracterizado, na medida em que, todos os requisitos haviam sido preenchidos durante a vigência da
norma anterior.
A atual
realidade dos Soldados das turmas de 2003 e 2004, que já possuíam o interstício necessário à promoção por antiguidade
porém não foram promovidos e terão que dividir as vagas com os soldados que
possuem 3 (três) anos, não se coaduna com os princípios constitucionais
administrativos, uma vez que trata-se de direito subjetivo de cada um à época,
e que não foi efetivado em época oportuna por inércia da Administração ou ainda
pelo excessivo exercício do poder discricionário por parte desta.
Ressalta-se
que a promoção e a participação no curso de formação são
direitos do Policial Militar, e
neste caso em específico, segundo os motivos já expostos, esse direito passou a
fazer parte do âmbito dos direitos subjetivos de cada um daqueles que já haviam
preenchido os requisitos.
Por fim,
impende destacar que, conforme o Estatuto da Polícia Militar, para ser
promovido, o Policial Militar deve satisfazer os requisitos essenciais
estabelecidos na lei específica, deve estar em pleno exercício de seus direitos
e não devem possuir impedimento de ordem legal, conforme disposições
específicas contidas no artigo 55 e seguintes do mencionado Estatuto, a saber:
DA PROMOÇÃO
Art. 55. O acesso da hierarquia policial-militar é seletivo, gradual e sucessivo,
e será feito mediante promoções, de
conformidade com o disposto na legislação e regulamentação de promoções de
Oficiais e Praças, de modo a obter-se um fluxo regular e equilíbrio de
carreira para os policiais-militares a que esses dispositivos se referem.
[...]
§ 2° A promoção é um ato administrativo e tem como finalidade básica a seleção
dos policiais-militares para o exercício de funções pertinentes ao grau
hierárquico superior.
[...]
Art. 55-A. Para ser promovido, é
necessário que o policial militar satisfaça os requisitos essenciais
estabelecidos nesta Lei, para cada posto ou graduação e em legislação
específica, se houver, e que esteja em pleno exercício de seus direitos e não
possua impedimentos de ordem legal.
Diante
do exposto, resta patente o direito que possuem os Soldados que compõem o
restante da turma de 2003, bem como os da turma de 2004, de realizarem o curso
de formação de Cabos, aproveitando a totalidade de vagas existentes e de acordo
com as condições existentes à época da vigência da Lei anterior, até que se
esgote o número de Soldados nesta situação, uma vez que já haviam preenchido
todos os requisitos para a promoção.
Promovidos
todos os Soldados nessas condições, somente a partir desse momento é que se
poderia utilizar a divisão em porcentagem estabelecida nos dispositivos
vigentes atualmente, sob risco de verdadeira preterição aos que já possuíam a
situação jurídica já consolidada.
Respeitar o
direito adquirido, a situação jurídica consolidada e o preenchimento de
requisitos legalmente estabelecidos quando vigente lei anterior é proporcionar
verdadeiro e real cumprimento aos princípios Constitucionais, pilares do regime
Democrático de Direito, que regulam a relação entre a Administração e seus
agentes.
Campo Grande-MS, 14 de Abril de
2014.
* O texto traduz entendimento técnico, em observância à graduação
acadêmica, elaborada a pedido de colegas que se encontram na situação em
questão.